Uberização do trabalho: saiba o que é e quais são os seus impactos

Em 2009, os estadunidenses Garrett Camp e Travis Kalanick fundaram a Uber Technologies Inc. Nesse mesmo ano, a tecnologia 4G tornou o uso dos smartphones cada vez mais presente e possibilitou o surgimento de sistemas de pagamento digital. 

Inicialmente, a proposta da Uber era oferecer um serviço de transporte privado na cidade de São Francisco. Os clientes poderiam solicitar seu transporte através de um aplicativo nos seus smartphones, que encontra o motorista disponível mais próximo da sua localização. Em inglês, o processo de solicitar um transporte via aplicativo ganhou o nome de “e-hailing” – “e” de “eletronic” (eletrônico) e “hailing” (chamado).

O aplicativo da Uber foi lançado em 2010 e a empresa rapidamente expandiu seus serviços para outras cidades e países. Em 2012, chegou a Londres, e dois anos depois chegou ao Rio de Janeiro e, meses depois, em São Paulo. Dez anos após a fundação da empresa, em 2019, os serviços da Uber já estavam disponíveis em cidades de 60 países. Além disso, a empresa também expandiu as suas modalidades de serviços: atuando também com transporte aéreo de passageiros (via helicópteros) e transporte de comida. 

No dicionário inglês, atualmente é possível inclusive encontrar o verbo “uberize”, que significa “mudar o mercado de um serviço, introduzindo uma forma diferente de comprá-lo ou de usá-lo, especialmente usando a tecnologia móvel”. Em português, podemos chamar esse processo de “uberização”.

Por um lado, os serviços da Uber oferecem menores custos, facilidade no pagamento e rapidez. Mas por outro, tornou-se também o marco de mudanças nas relações de trabalho no mundo todo, num fenômeno que vem sendo chamado de “uberização do trabalho”. 

Não se sabe exatamente quem utilizou primeiro esse termo para se referir a essas mudanças no trabalho. No entanto, o termo difundiu-se rapidamente no cenário internacional.

O papel das empresas na uberização do trabalho

Na estrutura da Uber, motoristas particulares podem se cadastrar na plataforma da empresa e através do aplicativo receber os chamados dos passageiros. No entanto, esses motoristas não possuem vínculo trabalhista formal com a empresa para quem presta seus serviços. Ao mesmo tempo, a empresa também não se coloca como cliente dos seus motoristas. Nesse sentido, a Uber assume o papel de intermediária entre o motorista e os clientes que buscam transporte privado, e recebe uma porcentagem do pagamento por isso. E, através de algoritmos e uma enorme capacidade de analisar dados e variáveis, a demanda dos clientes é precificada e distribuída entre os motoristas. 

O exemplo da Uber é só um entre os diversos aplicativos onde qualquer usuário pode se tornar um prestador de serviços. Na mesma época da sua fundação, surgiram diversas empresas de tecnologia com a proposta de aproximar prestadores de serviços e clientes através de plataformas digitais. 

Embora a grande maioria dos trabalhadores sejam motoristas, a uberização engloba diversos outros serviços obtidos através de um clique. É o caso, por exemplo, dos serviços de hospedagem, limpeza doméstica, manicures, aprendizado, design, advocacia e até mesmo medicina. 

Dessa forma, a uberização pode ser explicada como uma forma de gerenciamento e organização do trabalho ou simplesmente um processo de informalização. 

Relações de trabalho “Uberizadas”

Apesar da facilidade de acesso ao serviço, especialistas chamam a atenção para a precarização do trabalho como reflexo direto da uberização. Por exemplo, um trabalhador formal possui garantias e direitos trabalhistas previstos em lei. Enquanto um trabalhador informal arca sozinho com os riscos e responsabilidades da sua atividade profissional. Sem pré-definição do horário e jornada de trabalho ou garantias sobre a remuneração (inclusive em casos de acidentes), o trabalhador pode acabar trabalhando muito mais do que o previsto em lei. 

Outro ponto importante sobre a uberização é a impossibilidade de negociação com a empresa que oferece a plataforma de serviços. Os prestadores de serviços que cumprem os requisitos mínimos definidos pela empresa, realizam seus cadastros digitais e aceitam os “termos de adesão” padrão das empresas. 

De acordo com Ludmila Costhek Abilio, pesquisadora da Fapesp e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, estamos acompanhando uma nova organização do trabalho. Essa organização passa pelo trabalho mediado pelos aplicativos e plataformas digitais, mas não se restringe à eles. Segundo a pesquisadora, a uberização trata-se de “mais um passo no processo de flexibilização do trabalho”. 

Ao mesmo tempo, não se trata de um processo localizado, mas de uma tendência global, decorrente de décadas de mudanças políticas no mundo do trabalho. No entanto, essas transformações tomaram visibilidade com a entrada da Uber no mercado internacional, por isso a referência à empresa no termo “uberização”. 

Os dados sobre a uberização do trabalho no Brasil

Atualmente, não existe um levantamento específico sobre o volume de trabalhadores atingidos pela uberização no Brasil. No entanto, é possível identificar o estado da uberização no Brasil através dos números e análises da Pnad Contínua (a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).

A pesquisa realizada pelo IBGE, mostra um aumento no número de trabalhadores informais – ou seja, sem carteira assinada –  no país. De acordo com a pesquisa, entre setembro e novembro de 2020, a informalidade subiu 11,2% em relação ao trimestre anterior. Com esse acréscimo, a taxa de informalidade chegou a 39,1%, correspondendo a 33,5 milhões de pessoas. 

Além dos números gerais, é possível observar outras variáveis da pesquisa em relação à área do trabalho. 

Em relação aos trabalhadores que atuam em vias públicas como motoristas de aplicativo, taxistas e motoristas e trocadores de ônibus, chegou a 3,6 milhões em 2018. Segundo a Uber, a maior representante dessa organização de trabalho, existem mais de 1 milhão de motoristas ou entregadores cadastrados no seu sistema. Eles atuam em mais de 500 cidades brasileiras, atendendo 22 milhões de usuários.

Além disso, de acordo com a Pnad, cresce também o número de pessoas que trabalham em casa. Em 2017, a taxa de trabalhadores que faziam home office tinha chegado a 16,2%. Em 2020, chegou a 21,1%. 

Uberização durante a pandemia do Coronavírus

Os motoristas e entregadores de aplicativo ganharam ainda mais evidência entre os trabalhadores uberizados com a pandemia do Coronavírus. Pois, devido às medidas de isolamento social para a contenção das infecções do Coronavírus, esses serviços passaram a ser considerados essenciais. 

De acordo com o estudo “Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a Covid-19”, as plataformas digitais no setor de entregas tiveram aumento expressivo de demanda nos seus serviços. Nesse cenário, prestadores de serviço dessas plataformas tiveram longas jornadas de trabalho (56,7% dos entrevistados no estudo afirmaram trabalhar mais de 9 horas diárias). Ao mesmo tempo em que houve uma queda nas suas remunerações. 

Conclusão

A uberização é um assunto extremamente atual e que gera inúmeros debates. E, de acordo com os números, tende a aumentar progressivamente. Por esse motivo, é possível afirmar que num futuro próximo, mais pessoas se enquadrarão nessa nova configuração de trabalho. Em diversas partes do mundo, discute-se de que forma regular essa nova configuração de trabalho a fim de criar garantias e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. 

Esperamos que esse artigo tenha tirado suas dúvidas sobre a uberização do trabalho e seus impactos sobre a forma como o trabalho é organizado. Continue acompanhando nossos conteúdos para mais conteúdos como esse.