Análise de conteúdo: o que é e como lidar com dados de pesquisa

A análise de conteúdo é uma técnica de análise muito comum em pesquisas de Ciências Humanas e Sociais. No entanto, muitos pesquisadores têm aplicado essa técnica de análise de forma errada, pulando ou nem ao mesmo seguindo as etapas propostas pelos autores que a popularizaram.

Se você pretende usar a técnica de análise de conteúdo na sua pesquisa, mas está sem ideia por onde começar, estamos aqui para te ajudar! Neste artigo, falamos sobre o que é uma análise de conteúdo, em quais estudos ela se aplica (e quais são se aplica) e como usá-la.

Confira!

O que é análise de conteúdo?

Como o próprio nome já indica, trata-se de uma técnica de organização de análise dos dados coletados por uma pesquisa de abordagem qualitativa. Ao contrário da abordagem quantitativa, que recorre à linguagem matemática para descrever as causas e efeitos do fenômeno, a abordagem qualitativa busca interpretar os fenômenos estudados a partir da perspectiva dos sujeitos participantes. Isso porque a pesquisa qualitativa está preocupada com os fenômenos da sociedade centrados nas dinâmicas das relações sociais.

A análise de conteúdo, portanto, é uma das diversas técnicas de análise dos dados produzidos a partir de documentos, entrevistas, questionários e observações do pesquisador em uma determinada realidade.

A técnica não é nova. Como uma técnica científica de análise de dados, ela foi formulada por Harold Lasswell, na sua avaliação sobre propagando no período entre guerras. A partir daí, ela passou por inúmeras reformulações até que, em 1977, Laurence Bardin lança o livro “Análise de Conteúdo”. A publicação é um manual que sistematiza a aplicação da técnica usada pela professora de Psicologia na Universidade de Paris V nos seus estudos de comunicação de massas.

Em suma, Bardin aponta que a análise de conteúdo é uma

“(…) análise das comunicações, que visa obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem as inferências de conhecimentos relativos de condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens” (BARDIN, 2004, p. 41)

Dessa forma, a análise de conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos que estão em constante aperfeiçoamento. Sua análise não se limita a conteúdos verbais (como em entrevistas, por exemplo), mas também aos não-verbais (observações de campo, documentos de imagens, áudios, dentre outros).

E, para isso, é preciso seguir um processo rigoroso dividido em três partes, que apresentamos a seguir.

Como fazer uma análise de conteúdo

Parte 1: Pré-análise

Antes de serem analisados, os dados coletados em uma pesquisa (seja qual for a sua abordagem e metodologia) precisam ser preparados. Assim, a etapa de pré-análise consiste na organização de todo o material coletado.

É nesse momento em que o pesquisador olha para os dados como um todo e entende o que de fato será útil e o que não será útil para a sua pesquisa.

Ela é dividida em quatro etapas:

  • Leitura flutuante: quando ele realiza uma leitura preliminar os dados coletados;
  • Escolha dos documentos: trata-se basicamente da constituição do corpus da pesquisa, ou seja: quando ele faz a triagem dos documentos entre aqueles que irão e os que não irão fazer parte da análise da pesquisa. Nesse momento, pode-se adotar algumas regras para a escolha:
    • Exclusividade: a amostra dos dados representa a totalidade de um acervo, coleção ou comunicação;
    • Representatividade: a amostra representa um universo, permitindo compreender todas as possibilidades e hipóteses possíveis;
    • Homogeneidade: a amostra contém somente dados que se referem ao mesmo tema e coletados por técnicas iguais com indivíduos semelhantes;
    • Pertinência: a amostra se adapta ao conteúdo e objetivo previsto no início do trabalho;
    • Exclusividade: um dado não pode ser classificado em mais de uma categoria
  • Reformulações de objetivos e hipóteses: a partir do material coletado, o pesquisador define os objetivos da sua análise. E também as suas hipóteses (uma explicação antecipada sobre o fenômeno estudado)  que serão colocadas à prova no processo de análise. Vale ressaltar que as hipóteses não precisam necessariamente ser estabelecidas nesta etapa. Elas podem surgir tanto na leitura quanto no decorrer da pesquisa.
  • Formulação de Indicadores: chamamos de índice aquilo que fornece indícios de um conteúdo, de uma mensagem. Os indicadores, portanto, são aqueles elementos que asseguram que os dados apresentam o(s) índice(s) previamente estabelecido(s).

Parte 2: Exploração do material

A primeira coisa que você precisa saber sobre a segunda parte da análise de conteúdo é que ela é a mais longa e cansativa. Pois, apesar de todas as etapas da primeira parte serem cheias de detalhes, é aqui que todas as escolhas tomadas na pré-análise são efetivadas.

Basicamente, aqui os dados passam por uma descrição analítica, a partir de características pertinentes ao estudo. Por isso mesmo, muitos consideram essa a parte como o desenho da pesquisa.

Ela consiste em duas etapas:

  • Codificação: trata-se de uma palavra ou frase que resume um dado, que pode ser um texto ou imagem. Ele irá funcionar como um filtro para os dados, de acordo com os interesses da pesquisa. Pode ser feita da seguinte forma:
    • Unidade de registro: corresponde ao segmento de conteúdo a considerar como unidade de base, visando a categorização. Alguns exemplos de unidade de registro são: palavra, tema, acontecimento, personagem que aparecem em cada dado.
    • Unidade de contexto: por outro lado, ajuda a compreender e identificar a unidade de registro. Pode ser uma palavra-chave para descrever determinada frase ou conteúdo de cada dado.
  • Categorização: trata-se do desmembramento e posterior agrupamento das unidades de registro e contexto a partir de características em comum. Também possui duas etapas: 1) Inventário, em que os elementos comuns dos dados são isolados do todo; e 2) Classificação, em que os elementos são repartidos e reagrupados ou, em outras palavras, organizados.

Categorias também possuem algumas regras. São elas:

  • Exclusão mútua: um elemento não pode se encaixar em mais de uma categoria;
  • Homogeneidade: cada categoria deve ter só uma dimensão de análise
  • Pertinência: categorias devem ter relação com o objetivo da análise
  • Objetividade e fidelidade: categorias não devem permitir a distorções decorrentes da subjetividade do(s) analista(s)
  • Produtividade: os resultados das categorias permitem inferências novas

Parte 3: Tratamento dos resultados

É na última fase onde a análise de conteúdo finalmente se efetiva. É no tratamento dos resultados que permite a interpretação das mensagens e também elaboração de tabelas que condensam informações obtidas. Por isso, é neste ponto onde a leitura dos documentos coletados e selecionados é profunda e crítica, indo além da leitura flutuante feita na primeira parte da análise de conteúdo.

2 Dicas para uma boa análise de conteúdo

1. Reserve um tempo para se dedicar à análise de conteúdo da sua pesquisa

Como você pode ver, a análise de conteúdos é feita de várias partes, cada uma delas dividida em etapas. Por isso mesmo, nossa primeira dica para fazer uma boa análise de conteúdo é: reserve um tempo para fazer tudo com calma.

Dependendo da quantidade de dados que você coletou, é possível que precise de mais ou menos tempo para se dedicar à organização e análise deles. Mas independente da quantidade, é importante que você consiga se concentrar em cada um deles. Afinal, não basta só ver todos os dados, organizá-los e partir para a análise: é importante revisar tudo o que você faz antes de partir para a próxima etapa.

Ter pressa e acabar criando categorias ruins ou organizar mau os dados terá um impacto direto sobre a sua análise e o sucesso da sua pesquisa.

Assim, prefira fazer ajustes no cronograma da sua pesquisa, mas não tente fazer a análise de conteúdo de uma vez só.

2. Busque outras pesquisas que usam a técnica de análise de conteúdo na sua área

Ter dúvidas sobre como aplicar um método ou técnica é normal, especialmente para quem está fazendo a sua primeira pesquisa. Se esse é o seu caso, ter contato com outros pesquisadores que fizeram procedimentos semelhantes ao que você pretende fazer é essencial. Mas como fazer isso? Lendo o trabalho deles!

Vá na biblioteca e no repositório virtual da instituição que você ensina e veja se encontra algum exemplo de trabalho produzido lá. Você também pode recorrer aos arquivos de outras instituições de ensino que abriga cursos como o seu. Ademais, consulte revistas específicas da sua área de estudos. Bem como bancos de dados acadêmicos gerais, como é o caso da Scielo e do Google Acadêmico, por exemplo.